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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ciclo de Vida Regional e Perspectivas Fiáveis de Desenvolvimento da Beira Interior

Como contributo basilar para a continuidade da discussão iniciada na anterior crónica, cabe destacar o documento de trabalho elaborado por Audretsch, Falck, Feldman e Heblich, em 2008, onde é proposta uma tipologia de regiões baseada na variedade de factores de produção, à la economista, que conferem um suporte sólido à teoria emergente do ciclo de vida das regiões.
Neste sentido, podem distinguir-se quatros fases principais do ciclo de vida regional, dependendo das externalidades constatadas ao nível da produção de conhecimento, ou seja, efeitos de spillover inter e intra industriais, bem como das formas de comercialização do novo conhecimento e da inovação.

A primeira, corresponde à fase empreendedora primária, durante a qual as externalidades à la Jacobs e as start-ups inter-industriais prevalecem. Esta fase requer a existência de regiões diversas, em termos económicos, que usualmente estão agrupadas em aglomerados urbanos, onde uma variedade de centros de investigação e desenvolvimento (I&D), tanto públicos como privados irradiam, literalmente, conhecimento e inovação para o ar. Este ambiente cria uma atmosfera que é caracterizada pela indução de uma variedade de externalidades intelectuais que estão apenas à espera de ser absorvidas, tanto por spinoffs universitárias, como por startups de base tecnológica.

A segunda, diz respeito à fase primária de rotina de processos, no âmbito da qual as actividades de inovação estão reservadas à acção de empresas top com perfil de incumbentes, que podem resultar de situações de atribuição de monopólio temporário, com motivação estratégica. Em termos subsequentes, após o estabelecimento de um produto ou tecnologia dominante, a produção tendencialmente torna-se mais especializada, direccionando-se para aglomerados industriais onde os investimentos em I&D são crescentemente mais focados. Nesta fase, as grandes empresas tendem a produzir conhecimento em laboratórios de investigação especializados, para uso próprio, diminuindo os efeitos de spillover daí resultantes.

A terceira, caracteriza-se por ser uma fase empreendedora secundária, onde se verificam externalidades que conduzem, fundamentalmente, a startups intra-industriais que operam nichos de mercado. Esta etapa do ciclo de vida regional é compreensível na medida em que os produtores exploram nichos de mercado baseados em inovações incrementais e tendem a localizar-se na franja competitiva dos incumbentes, sendo ainda caracterizadas por uma estrutura de pequenas e médias empresas perfeitamente observáveis em estruturas regionais que apostam na proximidade dos relacionamentos sociais, designadamente, das(os) suas(eus) empresárias(os).

A quarta, é a fase secundária de rotina de processos, que se caracteriza por períodos de mudança estrutural, durante os quais ocorrem as inovações disruptivas que acentuam o significado económico e a amplitude social das curvas em ‘S’. Aquí, o conhecimento é explorado nas regiões, contudo, as unidades territoriais denotam uma falta de stock de conhecimento regional que poderia ser utilizado como a base fundamental para a criação de uma nova indústria verdadeiramente competitiva. Estas regiões caracterizam-se ainda por uma falta de propensão para o início de uma actividade empresarial por conta própria, Porém, a experiência industrial conjugada com diminutas externalidades intra-industriais pode servir de suporte à criação de alguma dinâmica regional, que carece de maior dimensão crítica, arrancando para uma posição estratégica concertada em função dos interesses de diversas cidades da unidade territorial.

Na fase terminal desta sequência de crónicas, um segundo ponto a reter é o seguinte: a Beira Interior, indubitavelmente, enfrenta um período crítico que se caracteriza pela necessidade de preparar e iniciar um novo ciclo de vida regional, correspondente à segunda fase ascendente da curva em ‘S’. Para que tal seja possível, é necessário preparar a inovação disruptiva que sirva de base sustentável para renovadas ambições de crescimento desta região que apresenta diversos pólos de crescimento. Deste modo, é fundamental explorar as vantagens comparativas providenciadas por diferentes combinações de dois factores de produção, a saber, terra e conhecimento.

Por último, destaco duas perspectivas fiáveis de desenvolvimento regional para a Beira Interior que se consubstanciam em dois vectores de actuação estratégica: (i) aliança do potencial intrínseco do sector agroalimentar com o emergente arsenal de conhecimento aplicável aos sectores emergentes da bioengenharia e, sobretudo, da biotecnologia; e (ii) aliança da experiência e tradição da indústria têxtil com as novas tecnologias de informação e comunicação e as tecnologias da saúde.


João Leitão

Administrador da Universidade da Beira Interior e Investigador do IN+, Instituto Superior Técnico

Geografia Económica e Inovação Espacial na Beira Interior

Nos últimos quarenta anos, os modelos de geografia económica, validados através de publicação em revistas científicas de elevado impacto, têm vindo a sugerir três teses fundamentais com aplicação à unidade espacial cidade, nomeadamente: (i) o impacto positivo da concentração espacial nos índices de inovação; (ii) os benefícios da diversificação das actividades produtivas; e (iii) os ganhos decorrentes dos efeitos de aglomeração em parques de ciência e tecnologia (C&T) especializados.

Não obstante as teses linearmente identificadas terem conhecido uma ampla divulgação no limiar dos centros produtores de conhecimento - as Universidades -, o imprescindível processo de transferência de conhecimento não tem sido bem sucedido na perfeita explanação dos resultados de investigação, tanto teórica como aplicada, em especial, na criação de mecanismos com repercussão imediata nos decisores políticos, a diferentes níveis de decisão, europeu, nacional ou local.

Ao nível europeu, tem vindo a constatar-se uma crescente preocupação e afectação de recursos orientados para a edificação de uma efectiva política de inovação espacial, conducente à redução das desigualdades, à redução do flagelo económico-social do desemprego e à mudança estrutural do panorama da infra-estrutura de cooperação inter e intra-regional.

Todavia, o desenho de uma política eficaz de inovação espacial levanta sérias dificuldades, ao nível da definição de instrumentos eficientes que permitam assegurar a satisfação das necessidades e dos interesses das diferentes unidades territoriais que, tendencialmente, são mais competitivas e abertas à inovação e mudança estrutural, com carácter disruptivo.

No espaço regional, as diferentes unidades territoriais apresentam diferenças significativas, em termos históricos, estruturais, culturais e até mesmo mentais. Daqui, resulta que um único quadro teórico não trará uma resposta cabal às necessidades complexas de crescimento apresentadas por essas mesmas unidades territoriais, num ciclo que se quer de renovação, mudança, inovação disruptiva e modernidade.

Essas diferenças são acentuadas pelas diferentes dotações e combinações de recursos endógenos, mensuráveis através de indicadores críticos, tais como: os recursos físicos, os recursos humanos, a densidade populacional, a concentração espacial das indústrias principais e de suporte, a rede de C&T, o valor acrescentado bruto regional, etc. Deste modo, existe um risco latente de, ao ser aplicada uma política consubstanciada num único quadro teórico, serem negligenciadas as necessidades e os interesses das populações residentes, comprometendo gravemente o bem-estar social e aumentando irreversivelmente as desigualdades.

Regressando à teoria pura e dura, a abordagem de Jacobs, que remonta a 1969, concernente à exploração das externalidades, preconiza que as trajectórias evolutivas das cidades estão intrinsecamente ligadas aos efeitos de spillover inter-industriais. A mesma abordagem torna claro que a estratégia de diversificação aplicada aos espaços urbanos, em sintonia com os espaços rurais, conduz a um processo criativo de ideias disruptivas que acentuam o perfil inovador dessa mesma unidade territorial.

A coexistência de diversas indústrias gera, ainda, a possibilidade de experimentar novos processos, evoluindo para áreas de especialização, sob a forma de aglomerados industriais concêntricos, onde os custos de produção e de transacção são menores. Tal facto deve-se à intensificação das relações intra-industriais, com claras economias de custos ao nível das diferentes fases da cadeia de valor e ganhos substanciais de experiência e de produtividade.

Tendo presente o paradigma de Krugman, as regiões podem ser classificadas de acordo com dois protótipos principais: (1) cidades diversificadas; e (2) aglomerados industriais especializados. Seguindo esta visão dicotómica, poderá, tendencialmente, advogar-se uma escolha selectiva dos investimentos públicos em pólos de desenvolvimento nas regiões-chave, que serão o garante da ocorrência dos já referidos efeitos de spillover em direcção às fracções espaciais menos dinâmicas, em matéria de crescimento. Pressupõe-se, portanto, um efeito de arrastamento liderado pelas cidades polarizadoras, em matéria de criação de riqueza e de conhecimento.

Em alternativa, revisitando a abordagem de Becattini dos distritos industriais, poderia sonhar-se com a dinâmica específica das regiões, arreigada na sua tradição e história, que em certa medida, colocava a região como sendo uma unidade independente face às dinâmicas de crescimento das regiões vizinhas. Esta ideia preconiza uma visão ultrapassada de especialização que sujeita as regiões aos rudes golpes das fases avançadas dos ciclos de vida das suas indústrias maduras, prestes a entrar em declínio.

Neste contexto, um primeiro ponto a reter desta sequência de duas crónicas é: a unicidade de políticas derivadas de um quadro teórico único, pode induzir as unidades territoriais a seguirem uma direcção estratégica errada, na medida em que existem evidências empíricas que apontam no sentido de que os investimentos públicos podem ser, efectivamente, produtivos, no caso de atenderem às características estruturais da economia regional, as quais determinam, fortemente, o grau de receptividade dos efeitos de spillover associados a este tipo de investimento. Tal visão estratégica tem sido fundamental para a dinâmica de crescimento da Beira Interior nos últimos 24 anos, tomando como momento de referência um investimento público de importância estratégica nacional e regional, ou seja, o respeitante à criação da Universidade da Beira Interior, na cidade da Covilhã.


João Leitão

Administrador da Universidade da Beira Interior e Investigador do IN+, Instituto Superior Técnico