Nos últimos quarenta anos, os modelos de geografia económica, validados através de publicação em revistas científicas de elevado impacto, têm vindo a sugerir três teses fundamentais com aplicação à unidade espacial cidade, nomeadamente: (i) o impacto positivo da concentração espacial nos índices de inovação; (ii) os benefícios da diversificação das actividades produtivas; e (iii) os ganhos decorrentes dos efeitos de aglomeração em parques de ciência e tecnologia (C&T) especializados.
Não obstante as teses linearmente identificadas terem conhecido uma ampla divulgação no limiar dos centros produtores de conhecimento - as Universidades -, o imprescindível processo de transferência de conhecimento não tem sido bem sucedido na perfeita explanação dos resultados de investigação, tanto teórica como aplicada, em especial, na criação de mecanismos com repercussão imediata nos decisores políticos, a diferentes níveis de decisão, europeu, nacional ou local.
Ao nível europeu, tem vindo a constatar-se uma crescente preocupação e afectação de recursos orientados para a edificação de uma efectiva política de inovação espacial, conducente à redução das desigualdades, à redução do flagelo económico-social do desemprego e à mudança estrutural do panorama da infra-estrutura de cooperação inter e intra-regional.
Todavia, o desenho de uma política eficaz de inovação espacial levanta sérias dificuldades, ao nível da definição de instrumentos eficientes que permitam assegurar a satisfação das necessidades e dos interesses das diferentes unidades territoriais que, tendencialmente, são mais competitivas e abertas à inovação e mudança estrutural, com carácter disruptivo.
No espaço regional, as diferentes unidades territoriais apresentam diferenças significativas, em termos históricos, estruturais, culturais e até mesmo mentais. Daqui, resulta que um único quadro teórico não trará uma resposta cabal às necessidades complexas de crescimento apresentadas por essas mesmas unidades territoriais, num ciclo que se quer de renovação, mudança, inovação disruptiva e modernidade.
Essas diferenças são acentuadas pelas diferentes dotações e combinações de recursos endógenos, mensuráveis através de indicadores críticos, tais como: os recursos físicos, os recursos humanos, a densidade populacional, a concentração espacial das indústrias principais e de suporte, a rede de C&T, o valor acrescentado bruto regional, etc. Deste modo, existe um risco latente de, ao ser aplicada uma política consubstanciada num único quadro teórico, serem negligenciadas as necessidades e os interesses das populações residentes, comprometendo gravemente o bem-estar social e aumentando irreversivelmente as desigualdades.
Regressando à teoria pura e dura, a abordagem de Jacobs, que remonta a 1969, concernente à exploração das externalidades, preconiza que as trajectórias evolutivas das cidades estão intrinsecamente ligadas aos efeitos de spillover inter-industriais. A mesma abordagem torna claro que a estratégia de diversificação aplicada aos espaços urbanos, em sintonia com os espaços rurais, conduz a um processo criativo de ideias disruptivas que acentuam o perfil inovador dessa mesma unidade territorial.
A coexistência de diversas indústrias gera, ainda, a possibilidade de experimentar novos processos, evoluindo para áreas de especialização, sob a forma de aglomerados industriais concêntricos, onde os custos de produção e de transacção são menores. Tal facto deve-se à intensificação das relações intra-industriais, com claras economias de custos ao nível das diferentes fases da cadeia de valor e ganhos substanciais de experiência e de produtividade.
Tendo presente o paradigma de Krugman, as regiões podem ser classificadas de acordo com dois protótipos principais: (1) cidades diversificadas; e (2) aglomerados industriais especializados. Seguindo esta visão dicotómica, poderá, tendencialmente, advogar-se uma escolha selectiva dos investimentos públicos em pólos de desenvolvimento nas regiões-chave, que serão o garante da ocorrência dos já referidos efeitos de spillover em direcção às fracções espaciais menos dinâmicas, em matéria de crescimento. Pressupõe-se, portanto, um efeito de arrastamento liderado pelas cidades polarizadoras, em matéria de criação de riqueza e de conhecimento.
Em alternativa, revisitando a abordagem de Becattini dos distritos industriais, poderia sonhar-se com a dinâmica específica das regiões, arreigada na sua tradição e história, que em certa medida, colocava a região como sendo uma unidade independente face às dinâmicas de crescimento das regiões vizinhas. Esta ideia preconiza uma visão ultrapassada de especialização que sujeita as regiões aos rudes golpes das fases avançadas dos ciclos de vida das suas indústrias maduras, prestes a entrar em declínio.
Neste contexto, um primeiro ponto a reter desta sequência de duas crónicas é: a unicidade de políticas derivadas de um quadro teórico único, pode induzir as unidades territoriais a seguirem uma direcção estratégica errada, na medida em que existem evidências empíricas que apontam no sentido de que os investimentos públicos podem ser, efectivamente, produtivos, no caso de atenderem às características estruturais da economia regional, as quais determinam, fortemente, o grau de receptividade dos efeitos de spillover associados a este tipo de investimento. Tal visão estratégica tem sido fundamental para a dinâmica de crescimento da Beira Interior nos últimos 24 anos, tomando como momento de referência um investimento público de importância estratégica nacional e regional, ou seja, o respeitante à criação da Universidade da Beira Interior, na cidade da Covilhã.
João Leitão
Administrador da Universidade da Beira Interior e Investigador do IN+, Instituto Superior Técnico
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